Notícias

A escrita criativa: um exemplo do cruzamento de vontades, competências e culturas

Crónica do III Encontro de Didática do Português

João Carlos Gonçalves de Matos

ESE de Paula Frassinetti, Porto

na perspectiva do aluno, escrever (um texto, por exemplo) não é fácil, exige esforço, concentração, persistência e capacidade de avaliação. Já naperspectiva do professor, ensinar a escrever (um texto) dá muito trabalho, obriga a uma planificação cuidada e específica do domínio processual da escrita e implica uma atitude madura e consciente de respeito e abertura perante as diferentes opções que o texto possibilita e arrasta.



No primeiro dia outubro, ainda com um cheiro a verão, tive a oportunidade de frequentar o III Encontro de Didática do Português, realizado em Lugo, Galiza, promovido pela Associação de Docentes de Português na Galiza, com sede em Santiago de Compostela e da qual sou associado colaborador.

Nesta terceira edição realizou-se um trabalho reflexivo sobre a expressão escrita nas aulas. Os palestrantes foram Paulo Feytor Pinto, ex-presidente da Associação de Professores de Português, e Pedro Sena-Lino, escritor e professor de Escrita Criativa.

Paulo Feytor Pinto apresentou, pela manhã, uma comunicação de muito valor subordinada ao tema: “Escrita: cruzamento de vontades, competências e culturas.” Por sua vez, no período vespertino do encontro, tive a oportunidade de participar numa workshop de Escrita Criativa dinamizada pelo principal mentor da “Companhia do Eu”, centro de cursos de criatividade e cultura fundado em 2005. De salientar que, a partir de 2006, especializou-se como escola de escrita, oferecendo cursos que se distinguem pela sua inovação e criatividade e pelo cruzamento de artes e vontades.

A frequência desta workshop que apresenta um título delicioso “Para aprender a fumar vulcões: workshop de escrita criativa para professores de português” foi um momento muito especial e enriquecedor para a minha formação como professor.

De facto, no meu quotidiano de professor de português do segundo ciclo do ensino básico, deparo-me com as crescentes dificuldades sentidas pelos alunos ao nível da escrita e da leitura no actual contexto escolar de todo o ensino básico. Tendo em conta o que tem sido o ensino/aprendizagem da escrita na disciplina de português, em vários níveis escolares, tanto em termos dos currículos como das respectivas práticas na sala de aula, sinto esta necessidade de refletir sobre o processo da escrita, não como produto acabado e apenas de valor literário, mas como competência em construção e de interesse pedagógico e didático.

Este momento de formação permitiu-me verificar as potencialidades de desenvolver estratégias de Escrita Criativa nos meus alunos. Várias perguntas foram respondidas: o seu público-alvo, as suas potencialidades e estratégias associadas e, por fim, o seu significado científico -pedagógico, enquanto ferramenta de apoio à leitura e à escrita na sala de aula.

Foi possível, ainda, anotar alguns vetores relacionados com a escrita e com a criatividade linguística. Foram referidas algumas questões como: a coexistência da escrita com outras competências da língua, as relações da escrita com capacidades que derivam da organização e funcionamento da mente humana, a relação entre o código oral e o código escrito, os critérios da sua aquisição e do seu desenvolvimento, as ligações da escrita com a sua época, por fim, a ligação entre escrita e criatividade.

A workshop foi desenvolvida em três momentos complementares: primeiro, “eu vou escrever”, segundo, “os alunos vão escrever” (técnicas e práticas a importar para a sala de aula e, terceiro, preparação de uma aula e respetivos conteúdos para a aplicação da Escrita Criativa.

Pedro Sena-Lino partilhou as dinâmicas que devemos imprimir na sala de aula assente no pressuposto “fazer primeiro, explicar depois”. Nesse momento, devemos deixar o aluno envolver-se no processo educativo e, só depois de criada uma experiência, oferecer os suportes teóricos. Outro pressuposto deve ser “refazer-se: de professor para guia”. Neste caso, o formador destacou a importância de o docente abandonar a postura de professor: sentar-se de forma diferente, expor o exercício de forma diferente, estimular o seu interesse de forma diferente, dando a entender que a teoria, a “matéria”, deixa de ser importante.

O formador apresentou as ferramentas mais ajustadas para uso na aula com destaque para a importância da “lista de palavras”, a mudança do “ponto de vista do narrador”, a pertinência dos “intertextos”, ou seja, gerar encontros pessoais dos alunos com as obras canónicas e utilizá-las como motores da própria escrita. Paralelamente, foi abordada a questão do “enredo” onde se deu valor ao fornecimento de ferramentas práticas, dinâmicas e concretas para analisar uma história e planificar a escrita de um texto ficcional ou utilitário.

Por fim, deliciei-me ao saber da importância das novas palavras na língua portuguesa no processo de escrita narrativa. De facto, é um privilégio para o professor de português poder usar o background cultural dos alunos e a sua inventividade para criar um vocabulário próprio que lhes suscite interesse na história da língua e na análise das linguagens próprias de determinados autores como é o exemplo do moçambicano Mia Couto.

Num momento final da workshop, foi-me possível adquirir algumas ideias sobre a pedagogia da escrita. Deste modo, depois de identificada a metamorfose do ensino da escrita nos programas de Português, foi-me, de certa forma, mais fácil, problematizar/clarificar a acepção do termo ”escrita” em pedagogia, valorizar o uso criativo da língua, valorizar uma pedagogia da criatividade, vislumbrar o percurso para desenvolver tal capacidade, identificar algumas técnicas de intervenção para trabalhar a criatividade na escrita, apreender alguns dos pressupostos teóricos inerentes ao ato de escrever, ter consciência de algumas tipologias de tarefas e atividades de produção verbal, bem como adquirir alguns princípios pedagógicos e didáticos que devem ser tidos em conta por quem ensina a escrever.

Em jeito de conclusão, devo destacar a criatividade como ferramenta fundamental no processo ensino/aprendizagem da leitura e da escrita, sublinhando a importância de estratégias adequadas às necessidades dos alunos de hoje, sem perder de vista, contudo, a pedagogia/necessidade do esforço individual implicado no ato de escrever.

Efetivamente, como nos diz Pedro Sena- Lino, na escrita criativa aplica-se a Lei de Lavoisier: “tudo se transforma”. Dessa forma devemos “aproveitar o resultado dos exercícios escritos para proceder à aplicação de conceitos teóricos, partindo dos seus textos (dos alunos) para a teoria e para os textos consagrados.”

António Martins

Mestre em Ensino da Língua e da Literatura Portuguesas